3. Bandeira branca, amor
Depois de 37 anos em guerra, estou em negociações para um acordo de paz comigo mesma
Honestamente, desde que me reconheço como uma pessoa funcional, não me lembro de nenhum momento em que eu fui verdadeiramente satisfeita comigo mesma. Quando eu digo satisfeita, não digo sobre os momentos que a vida me proporcionou, mas naquilo que eu vejo quando eu me olho no espelho.
Nascida nos anos 80 e criada nos 90, eu cresci condicionada com a ideia de ser magra. Não apenas magra, com um IMC normal, mas muito magra. Tipo modelo. Tinha até um cálculo, super difundido em revistas tipo Capricho, que dizia que você deveria pesar, no mínimo, 20kg menos dos centímetros da sua altura.
Mais do que condicionada a ser magra, eu cresci ouvindo, lendo e assistindo que estar minimamente fora do padrão era algo negativo, inadequado, feio. Dentro de casa, na rua, na TV, nas capas das revistas, nos consultórios. Me diziam que eu tinha um rosto bonito e que poderia emagrecer um pouco para chamar mais atenção. Eu, que nunca fui magérrima tipo modelo e cheguei no máximo a usar roupas 40-42, cresci me sentindo inadequada.
Não me lembro exatamente quando foi a primeira vez que eu fiz uma dieta, mas tenho uma clara lembrança do dia que eu comprei minha primeira revista Boa Forma. A capa era com a Adriane Galisteu e o destaque era a tal sopa que a fez emagrecer alguns kg em poucos dias. O ano era 1996 e eu tinha só 10 anos. E sim, eu pedi para minha mãe para comprar as coisas para fazer a tal sopa. Nessa mesma época, tive estomatite e comemorei que consegui emagrecer, já que eu só conseguia me alimentar com líquidos por dias.
Ao longo da adolescência, perdi a conta de quantas vezes bati no consultório do endocrino em busca de uma fórmula mágica e rápida para emagrecer. Com 14 anos, tomei pela primeira vez anfepr4m0n4, receitada pelo médico. Na mesma velocidade que emagreci, engordei tudo de novo logo depois de suspender o uso e ganhei minha primeira crise de ansiedade de brinde. A s1butr4min4, que diziam ter menos efeitos colaterais, veio anos depois e me deixou com uma crise de enxaqueca que me inviabilizou pelos 2 dias que eu tomei.
Teve também a vez que eu fui em um desses famosos planos de emagrecimento, com reuniões e pesagens semanais. Esse, por incrível que pareça, estava no caminho de um emagrecimento minimamente saudável, pautado em um discurso de reeducação alimentar, se não fosse pelo terrorismo nutricional feito por uma das instrutoras. Lembro claramente de uma reunião, bem próxima à véspera de Natal, que ela dizia aos berros que era melhor “enfiar” um saco de açúcar na boca ao chupar uma bala ou engolir 12 ovos no lugar de um panetone. Saí de lá tão perturbada que, ao visitar minha avó, recusei até uma bolacha Passatempo que ela tinha comprado para mim, sabendo que era a minha favorita.
Fiz também a dieta da USP, a da Atkins, a de South Beach. Tomei diet shakes de todos os sabores, H3rb4lif3, chás milagrosos (Coscarque, Porangaba, 12 Ervas), cápsulas de spirulina e qualquer outra que prometesse a perda de peso.
Ao longo de todos esses anos, associei a ideia de ser magra como minha maior conquista de vida. Viajar? Preciso estar magra. Fazer uma tatuagem? Só quando eu emagrecer. Era como se minha vida, de fato, aconteceria apenas quando eu estivesse com o corpo padrão, ignorando toda e qualquer questão. Foram anos condicionando minha felicidade ao momento em que, finalmente, eu me tornaria uma mulher magra. Cheguei ao ponto de comprar roupas que eu queria usar, em tamanhos menores, como incentivo para isso.
Embora eu seja muito vaidosa e apaixonada por beleza desde sempre, minha autoestima sempre foi péssima. Pouco a pouco, eu passei a me esconder. De mim mesma, do espelho, das fotos, dos caras. Nunca fui de demonstrar interesse, porque tinha medo da rejeição, de não corresponder ao que esperavam de mim. Quando algum cara que me interessava me dava bola, achava que era coisa da minha cabeça. Foi assim que eu fui me relacionando com quem me escolhia, e aceitando qualquer migalha em troca do mínimo de afeto, me encolhendo para caber em um mundo e expectativas que nem eram minhas.
Meu último relacionamento foi o estopim de tudo aquilo que estava transbordando há anos em mim, em um momento que eu já estava emocionalmente fragilizada. Hoje, passado quase 3 anos desse período e em processo de remissão da depressão, vejo que foi um mal necessário para que eu pudesse acertar os ponteiros comigo mesma. Como já diria RuPaul, “se você não consegue gostar de você, como diabos vai gostar de alguém?”.
Embora seja uma pessoa terapeutizada há 6 anos e flerte com a psicologia desde sempre, foi durante estes últimos 3 anos que eu consegui, enfim, aprender a ser mais gentil comigo em todos os sentidos, incluindo com meu corpo. Uma grande ironia, já que eu sempre fui a pessoa que fazia tudo para ver quem estava ao meu redor bem, mas ignorei a mais importante delas: eu mesma.
Acho que cheguei no ponto que eu não quero mais me odiar, sabe? Foram, pelo menos, 27 anos lutando contra eu mesma. Porque me odiar me fez me sujeitar a situações que eu não quero mais viver, me fez ser quem as pessoas queriam que eu fosse e não quem eu realmente queria ser, me impediu de viver coisas legais porque eu me sentia inapta, inadequada, como se eu tivesse cometido um crime.
Eu quero ter uma relação legal comigo como eu tenho com as pessoas que eu gosto, de zelar, de cuidar, de apoiar. Eu não quero ficar me cobrando sobre uma coisa que talvez eu nunca seja ou que eu não sou neste exato momento. E nem é sobre não me permitir mudar, mas entender que hoje eu estou assim. Amanhã? Amanhã é outro dia e talvez eu esteja diferente. Mas hoje é isso, e quem quiser, que venha junto e me aceite como eu estou.
E acho que um grande avanço que eu fiz nessas últimas semanas foi postar uma foto de corpo inteiro no Instagram. O que pode ser uma coisa banal para muitas pessoas, significa um obstáculo a menos para mim nesse meu processo de reconhecimento pessoal.
Se eu ainda quero emagrecer? Sim, mas diferente das outras vezes, eu não estou buscando algo inalcançável e tampouco, é minha grande motivação de vida. Eu quero poder voltar a me alimentar de forma saudável e amar cozinhar, duas coisas que eu perdi durante o combo pandemia e depressão e que estou, pouco a pouco, retomando e voltndo a amar. Quero que seja a consequência de boas escolhas e de um processo que está sendo uma grande redescoberta.
E, se eu não posso voltar no tempo e abraçar todas as Victorias e seus corpos para dizer que tá tudo bem, eu espero que abrir minha maior vulnerabilidade para amigos e pessoas que eu nem conheço, possa ajudar outra pessoa nessa mesma situação.
Beijos, Vic ❤️
Eu te entendo tanto! Uma vida inteira lutando e vivendo com essas mesmas inseguranças.
Quero abraçar essa Vic do presente também, que chegou tão longe! Vc é inspiração, amiga, sempre foi. Se olhe mais como a gente te olha ❤️